sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

SONS DE LAVRAS - Cristina Couto





A Rua da minha infância altiva e silenciosa começava a emitir os velhos e costumeiros sons noturnos ao cair da madrugada. O cantar dos grilos atrás dos antigos móveis da casa da minha avó enchia os nossos ouvidos e as nossas paciências, o crocitar das corujas por cima dos telhados vinda da velha Matriz de São Vicente Ferrer invadia a noite em tom assombroso, os gritos dos presos trancafiados na Cadeia Pública, clamando por liberdade há muito perdida, como se o clamor libertasse a voz em vez do corpo.

E assim, corria a noite em meio a musicalidade polifônica da pequena e pacata cidade, quando ao romper da aurora o apito do trem rasgava a madrugada, avisando a chegada de um novo dia, e, em meio aos apitos, sons de freios nos ferros, vozes se misturavam aos assobios e a movimentação dos chapeados que carregavam as bagagens, dos passageiros que desembarcavam e de outros que seguiam viagem, o maquinista reclamava a demora e o bilheteiro olhava atento o ingresso daqueles que cheios de esperança embarcavam no trem. E toda esse alvoroço agitava a pequena cidade que ao partir do trem voltava a sua rotina.

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