segunda-feira, 11 de maio de 2009

APRESENTAÇÃO DE HILNÊ COSTALIMA NA POSSE DA ACSC - Por Dimas Macedo

Entre a Razão e o Silêncio

Entre a razão e o silêncio, a escansão da vida se faz a partitura de tudo o que existe no cosmos. Ao Ser não é dado renunciar à sua condição, cabendo ao universo dos signos simbolizar aquilo que a linguagem não conseguiu expressar em toda a sua profusão.

Um rio, por exemplo, pode se transformar, com o tempo, na má consciência de um povo ou da comunidade a quem serviu qual um sopro de vida; mas pode simbolizar e significar o sentido último do devir para o qual converge um projeto de vida que se faz a memória rebelde de um povo.

Nasci às margens de um pequeno rio, o Riacho do Rosário, e cresci, assim como Hilnê Costalima, na margem esquerda do Salgado, o mais belo de todos os rios do mundo. João Gonçalves de Lemos, o Presidente desta Academia de Ciências Sociais, nasceu na margem direita do Riacho do Meio, o mais contorcido braço do Salgado, cujas águas, plenas e soberbas, irrigam o corpo e o espírito de uma das mais frescas e úmidas regiões do Ceará.

O Sítio São Domingos, próximo ao Santa Inês e ao Carnaúba, situa-se na margem direita do Salgado, em demanda de outra sorte de águas cujas corredeiras alimentam alguns dos primeiros e mais sólidos açudes do município de Lavras. Nesse trecho de terras, marcado pelo cultivo do algodão e pela fibra de um dos maiores políticos do Nordeste – Raimundo Augusto Lima -, reinam os olhos de Moreninha Augusto, patrona da cadeira que Hilnê Costalima passa a o ocupar.

A nossa condição de lavrenses – a minha, a de Hilnê Costalima, a de João Gonçalves de Lemos e a de Moreninha Augusto -, constitui o traço que nos une neste ensejo e neste espaço de convívio acadêmico, posto que o Planalto dos Lemos e as águas da Cacimba da Pedra ungiram, de primeiro, a serenidade e a tribuna com que o Presidente desta Casa conduz o destino das Ciências Sociais no Ceará.

Lavras da Mangabeira é a ostra e o vento que nos mantem imantados a um sonho que nunca termina; e Hilnê Costalima é o remanso de flores que as águas brumosas do Salgado trouxeram até a Praça dos Leões, para ornar, com seus lírios e com a oratória castiça da autora, esta noite de lavrensidades e de lavragens de letras e afetos que já navegam em mares de Iracema.

O ritual não me pede que aqui exponha o perfil de Maria Augusta Férrer Lima ou Moreninha Augusto, senão que decline que ela é filha de Maria Cira Férrer Lima e de Raimundo Augusto Lima; que nasceu em Lavras da Mangabeira, a 07/05/1910, e faleceu no Rio de Janeiro, aos 22/11/1981; e que foi uma educadora sutil e maneirosa, cuja inteligência transcendeu aos limites do seu município de origem, fazendo-se, na seara acadêmica, uma das primeiras assistentes sociais do Brasil.

No meu livro Lavrenses Ilustres (1981, 2ª. Ed 1986) traço-lhe o perfil de educadora e de pioneira do serviço social e de autora de dois livros importantes: Manual da Mulher (1982) e Uma Experiência de Serviço Social de Grupo (1952), este último a sua tese de graduação em Serviço Social.,

E se nada mais digo, acerca de Moreninha Augusto, é para não roubar o brilho da tribuna de Hilnê. Acrescento, contudo, este traço: se Moreninha foi educadora de peso, esta também foi a condição de suas irmãs: Alda Férrer Augusto Dutra e Nícia Augusto Gonçalves, honrando-nos esta última com a sua presença.

As famílias Férrer e Augusto, de Lavras da Mangabeira, unidas, em grau de afeição duradoura, na casa em que Moreninha Augusto veio ao mundo, ganham, nesta noite de sinos e de lavrensidades consistentes, um motivo solene para reverenciar essa ilustre figura de mulher.

Vicente Férrer Augusto Lima, o seu irmão querido; Aurélia Teixeira Férrer, a tia materna, poetisa e religiosa de projeção internacional; Raimundo Augusto Lima, o pai extremoso; e Antônio Augusto Gonçalves, o sobrinho que se fez um padrão de ética na política, são nomes que se gravam com ouro, não apenas na história de Lavras, mas no meu coração e no meu imaginário de lavrense.

Hilnê Costalima, o primeiro nome feminino da oratória cearense, é escritora que se impõe à luminosidade desta Academia. É cristal que rebrilha e que há de ilustrar os salões desta Academia e de outras instituções que aqui se reunem , às vezes já tão infestadas de vazios que não mais se contam.

Intelectual refinada e austera, purista da língua e do vocabulário, retora primorosa, poetisa de metros escandidos e romancista de letras e silêncios que se ouvem nos recintos da alma, essa minha conterrânea da cidade de Lavras, é mulher que nos dá trabalho com os fulgores e os rigores da sua inteligência.

Contamos, eu e ela, uma amizade que não se fez colhida em arapucas, senão que dosada na linha soberba da admiração e do respeito e cimentada no padrão de amizade e convivência ética com que os nossos pais, Olívio Batista Lima e José Zito de Macedo (Zito Lobo), teceram um exemplo de vida social edificante que se impôs à história social do nosso município.

Eu e Hilnê nos orgulhamos de Zito e de Olívio e cremos, vivamente, que parte significativa do que somos resulta dessa raiz ancestral, que nos fez, assim, amantes das estruturas da língua e do vocabulário filosófico.

Falar da trajetória de Hilnê, como se ela fosse um verbete biográfico desses que se encontram em livros cansativos, talvez não me animasse tanto nesta noite. Digo tão-só que ela é assistente social, funcionária pública estadual aposentada, professora universitária de renome e que realizou o seu curso de mestrado na Universidade Federal de Pernambuco.

Destaca-se, tanto na Academia Cearense de Retórica, quanto na Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e no Centro Latinoamericano de Trabalho Social, sediado em Lima, no Peru, pela excelência das suas linhas de pesquisa e pelos fulgores da sua alocução.

A poesia se faz presente em sua vida em livros tais os que entitulou: Momentos (1990), Outras Janelas (1994) e Diário de uma Cordelista (2002). Memória Rebelde (1998) é o traço distintivo da sua veia de memorialista; e Discursos Acadêmicos e Outras Falas (2005) é o livro que veste de linhagem gráfica a sua dimensão de retora e de musa da oratória cearense, como já se disse, à larga, em diversos espaços da Provìncia.

É salutar saber que Hilnê continua produzindo, e que no seu livro, intitulado Nos Bastidores de um Mestrado Acadêmico (2008), ela como que ironiza a retórica do vazio e os saberes de araque, que já sufocam, de morte, a pesquisa de pós-graduação no Brasil, porque assim já se fizeram esses nichos petulantes e, às vezes, totalmente ocos em que a Universidade expõe as suas trivialidades

Na obra literária, memorialística, retórica e acadêmica de Hilnê existem pontos de luz, inteligentemente preparados, e pontos de declive que sempre me pareceram os que mais se elevam, face ao aparato linguístico e ao corte gramatical e semântico. Texto duro, às vezes; texto cáustico e contundente, quase; texto polido e aninhado, sempre.

O que considero bem escrito em sua obra? Tudo. O que vale a sua vida toda de esteta? Um romance, o Joana Célia – Enrtre o Silênco e a Razão (2008). O que contém esse livro? Um testemunho de fé na existência e a certeza de que o mundo, independentemente das vitrines do outro, é regido por uma lei infalível, e que o triunfo do silêncio se fará de par com a razão, não importando o hemisfério cultural onde cada pessoa se encontra.

Joana Célia é uma mulher de coragem e de convicções e esclarecimentos políticos que nos dão, com esmero, as leituras da ilusão e dos simulacros do capitalismo que distorcem a visão até o limite da cegueira generalizada.

Anima-me que a personagem central do seu livro tenha a convicção de uma coisa: a cena social e política vivenciada na fase derradeira do capitalismo é uma grande trapaça. E que existe um método capaz de explicar essas deformações de ordem financeira: o método sistematizado por Marx, o maior de todos os profetas da modernidade e o importante .pensador das ilusões do Capital

Joana Célia é uma Costa Lima, com certeza. Talvez uma Teresa Lúcia ou uma Célia Batista ou, quem sabe, uma Maria Caldas revirada pelo avesso e exposta a partir do alfabeto da sua introversão.

E quem poderia ter inventado essa personagem tão controvertida , senão a filha de Olivio, senão a irmã de sangue de Majela, senão esssas Hilnês travestidas em Joanas ou em Célias ?

Um rio o romance de Hilnê, em cujo leito uma alma se quer desnuda diante dos seus paradoxos, até o limite em que a arte encontra a expressão do ser e se mede em estéticas de recepção e de epifanias.

Vivam, portanto, a letra e o discurso de Hilnê e que se façam coros para entoar a sua entrada nesta Academia.

Fortaleza, 08 de maio de 2009

Dimas Macedo