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domingo, 12 de setembro de 2010
AS CIDADES DE CHICO BUARQUE - Dimas Macedo
ENSAIO
Cruzando ruas: os passos deixados por canções
Detalhe da capa do livro "As cidades de Chico Buarque", de Cristina de Almeida Couto ,
num processo de montagem
12/9/2010
Chico Buarque de Holanda pertence a uma elite de intelectuais brasileiros que, em face de sua competência e militância, alcançaram ressonância internacional. A essa elite pertencem, também, criadores como Vinícius de Moraes e Tom Jobim, Celso Furtado e João Cabral de Melo Neto, Augusto Boal e Gilberto Gil
As raízes do samba e a malandragem carioca, o nacionalismo político de Getúlio, a aventura musical da Bossa Nova e a repressão militar da década de 1960 jogaram o destino do Brasil nas mãos de Chico Buarque de Holanda: misto de compositor e teatrólogo, romancista e intérprete da contextura lírica do Brasil. O poeta, o cronista, o militante político, o intelectual e o letrista estão em Chico Buarque como em nenhum outro representante da nossa estética cultural e política. Sempre carregou na alma os estigmas da herança paterna, provinda do refinamento e da reflexão de Sérgio Buarque de Holanda, que pôs em questionamento os sentidos da brasilidade e o chamado jeitinho brasileiro.
As Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda são as raízes que sempre alimentaram a escansão poemática de Chico Buarque, quer do ponto de vista da nossa formação social, ou ainda quando tomada a musicalidade das suas letras a partir da nossa urbanidade e da nossa memória coletiva.
Chico Buarque de Holanda é uma espécie de síntese do Brasil profundo, da nação que nunca se curvou diante do arbítrio. A sua voz e a sua sensibilidade serviram, durante muito tempo, de esteio do povo brasileiro, porque um intelectual, comprometido com a sua consciência, constitui uma força social que se eleva muito acima da norma do Estado. Neste texto, contudo, não pretendo falar da personalidade de Chico Buarque de Holanda, sequer do seu perfil de intérprete da nossa música popular. Sobre ele muito já se disse, mas é certo também o afirmar-se que muita coisa ainda resta a dizer.
E entre as coisas que ainda resta a dizer, sobre o discurso e a prática musical de Buarque, eu queria destacar as suas relações com as cidades, ou com a problemática do espaço urbano, especialmente porque não existe apenas uma, porém diversas personas por trás desse grande artista brasileiro.
Sei que existem livros seminais sobre Chico Buarque de Holanda, tais os de Adélia Bezerra de Menezes (Poesia e Política em Chico Buarque de Holanda), Rinaldo de Fernandes (Chico Buarque do Brasil) e Wagner Homem (Histórias de Canções - Chico Buarque), mas o texto de Cristina de Almeida Couto - As Cidades de Chico Buarque (Fortaleza, Edições Poetaria, 2010) é um livro que, de plano, nos chama a atenção.
A autora, jornalista e publicitária de talento, reveste o seu discurso com as cores da comunicação e com os recortes da estrutura lírica da linguagem, pois que no livro uma escrita sensível parece nos trazer de volta a emoção e os olhares de Chico Buarque acerca da estética das urbes.
O livro é resultado de uma pesquisa acadêmica da autora, feita com o rigor da síntese e da retificação das fontes, o que mostra a seriedade com que Cristina abordou o seu objeto de trabalho. A abertura do sumário entre-mostra o viés analítico da autora, as suas linhas de força, a sua precisão semântica e imagética, pois que de imagens são feitas a perspectiva e o tecido maduro do ensaio. Claro que se trata de um livro de estréia, onde a indecisão parece pontuar a travessia do texto, mas o que se constrói no livro como lição de amor a um ícone da música popular parece ser a chave com que Cristina revela todas as cidades de Buarque.
Na resenha de um livro não exige que falemos acerca dos méritos de quem o escreveu. E é por isto que não faço, neste texto, o elogio da autora. Registro, tão-somente, que Cristina é uma pessoa extremamente ética e cativante, pois que nos toca o coração com a sua verdade. A ela muito devem a cidadania ativa e as discussões sobre o meio ambiente e o nosso patrimônio histórico.
Amante da cultura lusófona, tem sido, no Ceará, uma irrequieta promotora de eventos e encontros que colocam a lusofonia e a lusofilia como pontos de observação e do maior interesse cultural.
Honra-me a condição de ser seu conterrâneo, e orgulho-me, por igual, de ter lido de primeiro a escritura sensível deste belo livro. Uma leitura de sensibilidade e invenção.
Ensaio
As Cidades de Chico Buarque
Cristina de Almeida Couto
IMPRECE
2010
94 PÁGINAS
R$ 20,00
Letras de música, leitura criativa e análise social
DIMAS MACEDO
COLABORADOR*
* Da Academia Cearense de Letras
UMA SOLIDÃO ELETRÔNICA - Emerson Monteiro
Se ficar parado defronte a um televisor, assistindo calado ao drama de outros personagens, resolvesse o enigma da humanidade, já haveríamos, com saldo suficiente, descoberto a resposta procurada desde que o mundo é mundo. Porém a grande aventura continua pelas vidas adentro, na mesma tentativa igual às noites frias que atravessam os guardas noturnos e seus radinhos agarrados aos programas da madrugada, catando notícias do mais profundo mistério.
Essa tal de solidão vem de muito longe, dos tempos imemoriais. Nas primeiras imagens pictóricas da civilização, na era da magia simpática, figuras foram desenhadas nos bastidores das cavernas pelos homens pré-históricos, ali parados caçadores, de olhos grudados nas cenas de animais acesos à luz dos fachos de alcatrão, querendo planejar as expedições dos dias posteriores nas ramagens da floresta.
Hoje, velhas cenas ressurgem ao toque de alguns botões das telas incandescentes de vídeos, televisões, computadores, celulares, figuras animadas que invadem a memória, repetições de caçadas silenciosas a esfinges, que persistem noutros exemplares do animal pré-histórico que somos nós.
Sentinelas avançadas da tecnologia, apalpamos paredes rústicas de prisões deste solo comum, armados de tacapes, arcos e flechas, lanças, fuzis, lanternas amoladas, pé ante pé, no roteiro das interrogações, ladeiras adiante...
Lançamos foguetes ao espaço, que retornaram vazios, espelhos de nós próprios, calendários de asas e eras, comunicação circular das carcomidas aventuras. Mergulhamos oceanos munidos de câmeras poderosas para colher lembranças redivivas de biologias e destroços de antigamente, muralhas e algumas incompreensões mantidas entre povos dissidentes, concorrentes, a peso do ouro escondido nas entranhas da Terra.
Nisso, o tropel segue arrancando raízes, levantando poeira, sacudindo pedras, faíscas, minérios, desembalada carreira na forma de letras, palavras, apegos, fracos na carne e fortes na alma, atores de epopéias e sujeitos de saudades imensas das gerações que se foram e vão.
De jeito que aquietar os ossos chega o sono, machucados egoísmos caducos dificultam a revelação. Resta, no entanto, suplicar nas orações ao Deus desconhecido da Grécia; à Deusa liberdade francesa; ao Tupã dos ameríndios; ao Deus inexistente dos budistas; no furor dos elementos, da ciência dos alquímicos. Rezar nessa montanha silenciosa de claridade intensa, oráculo dos tempos atuais. Perscrutar, com amor, as entranhas da mãe solidão, na frente deste muro de lamentações da história e seus equívocos de porões escuros. Com tais manias, os lobos, uivando para luas de cristal, vagos sufistas de ondas eletrônicas, emitem sinais de socorro, e exaustos e sós retornam melhores dos montes distantes das ilusões contrafeitas.
Essa tal de solidão vem de muito longe, dos tempos imemoriais. Nas primeiras imagens pictóricas da civilização, na era da magia simpática, figuras foram desenhadas nos bastidores das cavernas pelos homens pré-históricos, ali parados caçadores, de olhos grudados nas cenas de animais acesos à luz dos fachos de alcatrão, querendo planejar as expedições dos dias posteriores nas ramagens da floresta.
Hoje, velhas cenas ressurgem ao toque de alguns botões das telas incandescentes de vídeos, televisões, computadores, celulares, figuras animadas que invadem a memória, repetições de caçadas silenciosas a esfinges, que persistem noutros exemplares do animal pré-histórico que somos nós.
Sentinelas avançadas da tecnologia, apalpamos paredes rústicas de prisões deste solo comum, armados de tacapes, arcos e flechas, lanças, fuzis, lanternas amoladas, pé ante pé, no roteiro das interrogações, ladeiras adiante...
Lançamos foguetes ao espaço, que retornaram vazios, espelhos de nós próprios, calendários de asas e eras, comunicação circular das carcomidas aventuras. Mergulhamos oceanos munidos de câmeras poderosas para colher lembranças redivivas de biologias e destroços de antigamente, muralhas e algumas incompreensões mantidas entre povos dissidentes, concorrentes, a peso do ouro escondido nas entranhas da Terra.
Nisso, o tropel segue arrancando raízes, levantando poeira, sacudindo pedras, faíscas, minérios, desembalada carreira na forma de letras, palavras, apegos, fracos na carne e fortes na alma, atores de epopéias e sujeitos de saudades imensas das gerações que se foram e vão.
De jeito que aquietar os ossos chega o sono, machucados egoísmos caducos dificultam a revelação. Resta, no entanto, suplicar nas orações ao Deus desconhecido da Grécia; à Deusa liberdade francesa; ao Tupã dos ameríndios; ao Deus inexistente dos budistas; no furor dos elementos, da ciência dos alquímicos. Rezar nessa montanha silenciosa de claridade intensa, oráculo dos tempos atuais. Perscrutar, com amor, as entranhas da mãe solidão, na frente deste muro de lamentações da história e seus equívocos de porões escuros. Com tais manias, os lobos, uivando para luas de cristal, vagos sufistas de ondas eletrônicas, emitem sinais de socorro, e exaustos e sós retornam melhores dos montes distantes das ilusões contrafeitas.
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