quarta-feira, 8 de setembro de 2010

DIÁRIO DO NORDESTE

CADERNO TRÊS
COLUNA - Batista de Lima
7/9/2010
O livro da Rosa


A história de Quitaiús é um tecido de pequenas histórias que se entrelaçam na formação de uma memória que a autora foi compilando ao consultar a tradição oral, diante da escassez de textos escritos sobre o tema. Desde menina que ela ouvia as histórias dos (...) mais velhos, dos trabalhadores, dos transeuntes que circulavam pela ribeira do Riacho do Rosário. A contação de histórias é hábito milenar entre as populações rurais

A Rosa é Firmo, nascida e criada na Tapera. A Tapera é um sítio que pertence ao distrito de Quitaiús, antigo São Francisco. Por sua vez Quitaiús pertence a Lavras da Mangabeira. Toda essa geografia acaba de marcar presença no mapa-múndi graças ao livro "O Rosário de Quitaiús". São 279 páginas, da editora RDS, que, neste 2010, engrandece aquela comuna como se fosse seu batismo literário.

Esse batismo se deve ao trabalho de Rosa Firmo que, antes de cantar o mundo lá de fora, primeiro veio a cantar sua terra. Daí que Quitaiús se vê revelado na sua história, na sua geografia e na sua antropologia. Enfim, o livro desnuda sua terra de tudo que é desconhecido de nós leitores. Na primeira parte ela desvenda a identidade da tribo dos Quitariús, que deu origem ao nome atual do lugar, das sesmarias da região, das veredas dos colonizadores, dos clãs mais primevos, das crenças e das lendas de seu povo.

Depois ela apresenta os aspectos fisiográficos, enfatizando o surgimento do povoado, os limites do distrito e os sítios que o compõem. Entre esses sítios é bom citar aqueles destacados pela autora, e aqueles que mitificaram a infância e a adolescência deste escriba. Primeiro a Tapera, berço natal da autora. Depois, As Varas, onde habitou por muitos anos, com seu engenho de rapadura, o famoso Horácio das Varas, espécie de coronel do sertão. Horácio Filgueiras teve como ancestral o histórico Pereira Filgueiras, que marcou presença em fatos históricos de nossa região. Há ainda Tabuleiro Alegre, Caixa D´água, Areias, Emas, Unha de Gato e Maribondo. Cada um traz suas histórias de resistência e valentia.

Capítulo especial, no entanto, é o que trata do açude Rosário, construído pelo Governo do Estado entre os anos de 1998 e 2001. O reservatório tem a capacidade de armazenar 47.200.000 m3 d´água. Seu objetivo é perenizar o rio Salgado, do qual, o riacho do Rosário é afluente. Esse açude também é responsável por farta produção de pescado, o que contribui para proporcionar emprego e renda para os seus ribeirinhos. Isso sem contar o turismo que cresce a cada dia, dada a procura da população pelo lazer às margens de suas límpidas águas.

Pelo riacho do Rosário sempre escorria a água de que Quitaiús sempre fora carente. Também por aquele caminho das águas, como pela estrada que leva a Lavras, as histórias também fluíam, com o domínio político da cidade sede e das levas de retirantes que as secas tangeram em busca do Sul. A construção das duas represas retem agora aquilo de que mais o distrito precisa. Primeiro a construção do açude Rosário que retém as águas, e agora o livro de Rosa Firmo que é uma verdadeira barragem que contém a história de Quitaiús colocando-a à vista de sua população.

A história de Quitaiús é um tecido de pequenas histórias que se entrelaçam na formação de uma memória que a autora foi compilando ao consultar a tradição oral, diante da escassez de textos escritos sobre o tema. Desde menina que ela ouvia as histórias dos familiares mais velhos, dos trabalhadores, dos transeuntes que circulavam pela ribeira do Riacho do Rosário. A contação de histórias é hábito milenar entre as populações rurais. Por mais de sessenta anos a autora foi armazenando fatos e dados que ia ouvindo dos circunstantes. É esse material que agora fica disponível para o público de hoje e para os pósteros.

Há também um aspecto interessante no livro que está inclusive sugerido pela autora, nas suas "Considerações iniciais", que é a utilidade de seu livro para fonte de pesquisa nas escolas da região. Nós educadores temos o costume de ensinarmos a história e a geografia do mundo distante, aos nossos alunos, sem nos atermos que eles estão assentados sobre um patrimônio histórico e geográfico que desconhecem. Não adianta pintar o mundo se não pintarmos nosso quintal. Será que os estudantes de Quitaiús conhecem a história e a geografia de seu distrito? Agora eles têm onde encontrá-las.

Além desse aspecto didático que o livro revela, há o fato de que a autora com sua escritura enceta um retorno à cena senhorial que deixou para trás. É que teve de deixar seu torrão natal para concluir seus estudos na Capital e também para desempenhar seu papel de educadora nas escolas de Fortaleza. Essa sua obra é também a reconstrução de um paraíso perdido onde seu cordão umbilical grita pedindo para não ser esquecido. Esse seu retorno reconstrói a Tapera através da memória.

Finalmente pode-se dizer que Rosa Firmo, com habilidade, põe em cena toda uma plêiade de atores responsáveis pelas manifestações culturais de Quitaiús. Toda a cultura popular emerge no seu texto através dos antigos mascates, dos penitentes com seus cânticos lamuriosos na Semana Santa, das rezadeiras, das carpideiras, das parteiras, dos poetas populares, dos vaqueiros. Todos vão entrando em cena, vestidos com o lirismo característico da terra, com sua persistência no resistir às intempéries da seca e com a mensagem para o leitor de que é Quitaiús que se apresenta, mostrando sua grandeza, que se não fosse o livro da Rosa, ficaria desconhecida.