Se há qualquer característica
especial nas pessoas idosas, que sacode essa convicção irreverente que os
jovens carregam de peito aberto, feita medalha de vitória colada ao peito, se trata
do silêncio contundente, grave, que adorna esses senhores, essas senhoras,
quietos pelos cantos à espera do farnel da derradeira viagem.
Parados, de olhares vazios presos
nas extensões infinitas do espaço, eles mergulham na distância quais
enxergassem de longe as portas do Reino, o porteiro e sua chave crepuscular. Às
vezes, sorriem consigo, cúmplices das saudades que, presunçosas, amaciam as
bordas das camas, a alvura dos lençóis e os braços gastos das poltronas puídas,
nos abrigos transitórios.
Quando outros chegam, e
quebram o clima sério dessas virtudes solitárias, de leve abrem o pano dos
olhos baços e desprendem simpatia marota, como quem sabe para além dos saberes
daqui de fora. E largam restos de sociabilidade nas poucas interrogações que lhes
perseguem, atentos aos anos posteriores que ainda restam.
Pois bem, a solene presença desses
avozinhos, campeões da longevidade, contempla netos e bisnetos, suas últimas relíquias
preciosas. Passeiam pelo ar já rarefeito as ilusões que sumiram nas esquinas do
passado, dança de cadeiras das gerações que saem bem devagar à coxia do teatro.
Nisso, umas nesgas de alegria ainda persistem a escorrer da ponta dos dedos aos
cabelos macios dos inocentes, atitude instintiva, débeis carícias abandonadas aos
que tanto ensinaram a amar.
De outras feitas, contudo, ali,
assim, fecham o semblante e demonstram lances pessoais de uma luta interna que lhes
joga poeira às redondezas do rosto. Quais testemunhas isoladas nas primeiras
sessões dos tribunais que defrontarão no campo da Eternidade, envoltos na eloquência
desses julgamentos de consciência, crescem ao sabor da chama das réplicas os olhos
murchos de lágrimas secas.
Postos de face com a face do
destino, o drama secular das irrealizações humanas chora, quase grita. Por isso,
angustia com força quem andar por perto deles, nos respingos da tempestade, no mar
imenso dos sentimentos e ações antigas. Sofrer, com eles, esses tais silêncios
incontidos das crises terminais dos sonhos significa, também, sofrer dentro da
gente o alerta de que se aproxima a transição das certezas. Pernas parecem quase
não cumprir os trechos finais da estrada de volta para casa. Olho, contudo,
assustado essa indiferença dos nossos heróis que, agora, desfazem gavetas e
arrumam as malas. Aquela gravidade carrancuda virará o rosto nessa hora da verdade,
impondo maior respeito. Monumentos de outrora, erguerão a riste o indicador e
reclamarão coragem aos que permanecerem, quando vestirem o manto da despedida. Nessa
hora, vencerão a batalha das quimeras morais e dores físicas, e repousarão, em
paz, nos braços aconchegantes da ausência inevitável.