domingo, 23 de maio de 2010

GOSTO NÃO SE DISCUTE - Emerson Monteiro

Triste do amarelo se todos gostassem do encarnado, eis frase que ouvia vezes sem conta de minha sábia mãe, contemporizando o atrito entre os filhos, falando essas coisas da sabedoria popular, segundo ela, aprendidas de seu pai, fiel apreciador dos dizeres do povo. E eu guardo com carinho algumas dessas pérolas definitivas que bem representam filosofia natural, transmitida de geração a geração pela oralidade.
Bom, quanto à questão do gosto, aos poucos a humanidade vem descobrindo o valor da diversidade nos assuntos da civilização. Vinícius de Moraes, numa de suas composições, afirma: Se todos fossem iguais a você que maravilha viver. Diz, mas já sabendo que a vida significa a contagem regressiva da morte, daí a beleza hipotética de seus versos. As dez mil coisas formam o teatro do Universo. O que seria da comédia se todos gostassem da tragédia?
Em matéria de literatura, vale lembrar que Franz Kafka em vida não chegou a publicar uma única de suas obras geniais, restando só à posteridade o raro prazer de apreciá-las. E outro expoente das letras, Jean-Paul Sartre, recusou o prêmio Nobel da Literatura vistas suas razões políticas, desmerecendo no gesto a tão ambicionada comenda dos autores mundiais.
No Brasil, quando Euclides da Cunha publicou Os sertões, trabalho de fôlego a retratar, na visão das elites brasileiras, no conflito de Canudos, retirou-se para uma fazenda no interior paulista pressentindo o fracasso da edição, e ele escolhia se distanciar para não presenciar de perto. Contudo, rápido o livro se esgotava e, ainda hoje, é reconhecido e admirado por muitos.
As diferenças formam o grande todo. Existem pessoas que preferem chã de dentro invés de músculo, e nem por essa razão todo dia se deixa de matar boi. Tem quem coma seus tecidos, independente do nome das partes ou da consistência da carne.
Isso porque há gosto para tudo. Caso as pessoas a quem decepcionamos vez em quando, as quais chegam a formar verdadeiras multidões, exigissem mais de nós ao nos conhecer, por certo facilitariam, com isto, nossa caminhada e economizariam fortunas em sofrimento para si e para outros.
Ser exigente nas escolhas, portanto, evita transtornos futuros e suprime a ilusão dos que se imaginam superiores, quando, na verdade, pecados e virtudes acham-se distribuídas em proporções equitativas no espaço da natureza, sem injustiças ou privilégios, vindo daí o segredo valioso da conformação. E maiores são os poderes de Deus.