terça-feira, 18 de setembro de 2012

IR MAIS ALÉM - Emerson Monteiro



O que é isto de ir mais além? Sim, ir mais além do igualismo que envolve as rotinas deste mundo ronceiro, pesado... Significa o querer avançar nas vastidões continentais das respostas maiores aos problemas cotidianos crônicos e repetitivos... Abraçar o desconhecido das possibilidades qual instrumento da revelação de valores elevados, acima da média, essa febre diária dos só ganhos materiais, motivo de muitos viverem a existência deitados na preguiçosa de nem querer saber o que escondem os dias que nascem esplendorosos e as suas oferendas, que recebemos na sequência original das mudanças constantes, impagáveis de riqueza e promessas infinitas.

Ir mais além será, por isso, evoluir neste processo de elaborar o destino sem a mera conformação que sujeita as multidões acomodadas ficar na flor da água, restritas aos trechos iniciais do caminho longo das histórias pessoais. Essa timidez que produz mediocridade e fastio, roteiro imprudente, desestimulante, restrito a cantos escuros de servidão das massas ignaras aos senhores da guerra e da miséria dos becos.

Às vezes, uma criança quer crescer, porém o projeto familiar dos pais exige condições de repouso, banalidade e planos menos abrangentes ao grau da inteligência prodigiosa com que vem. Os próprios meios de comunicação adotam ideologias prontas para atender apenas aos limites das gerações montados nos blocos de pressão de escolas, instrumentos de poder em mãos egoístas e despreparadas. A educação nivela por baixo as aspirações que pedalam nos roteiros elaborados em gabinetes ineficientes de uma sociedade que se arrasta na lama do faz de conta.

Dar salto de qualidade no instinto de transformar a cena futura pede coragem de ânimo e impulso de transpor as barreiras opressoras de quem ativa tais mecanismos repressores da criatividade inovadora.

Poucos ou raros exercitam os mecanismos de resposta ideal que rompa com o cinturão da miséria coletiva. São os inconformados diante dos falsos valores impostos pelo velho sistema dominante. Eles existem, no entanto, graças aos quais nada se perderá jamais, porquanto força maior impõe o progresso e a correlação das energias na evolução, resultando noutras alternativas de salvação e saúde universais.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O SILÊNCIO DOS IDOSOS - Emerson Monteiro



Se há qualquer característica especial nas pessoas idosas, que sacode essa convicção irreverente que os jovens carregam de peito aberto, feita medalha de vitória colada ao peito, se trata do silêncio contundente, grave, que adorna esses senhores, essas senhoras, quietos pelos cantos à espera do farnel da derradeira viagem. 

Parados, de olhares vazios presos nas extensões infinitas do espaço, eles mergulham na distância quais enxergassem de longe as portas do Reino, o porteiro e sua chave crepuscular. Às vezes, sorriem consigo, cúmplices das saudades que, presunçosas, amaciam as bordas das camas, a alvura dos lençóis e os braços gastos das poltronas puídas, nos abrigos transitórios. 

Quando outros chegam, e quebram o clima sério dessas virtudes solitárias, de leve abrem o pano dos olhos baços e desprendem simpatia marota, como quem sabe para além dos saberes daqui de fora. E largam restos de sociabilidade nas poucas interrogações que lhes perseguem, atentos aos anos posteriores que ainda restam.

Pois bem, a solene presença desses avozinhos, campeões da longevidade, contempla netos e bisnetos, suas últimas relíquias preciosas. Passeiam pelo ar já rarefeito as ilusões que sumiram nas esquinas do passado, dança de cadeiras das gerações que saem bem devagar à coxia do teatro. Nisso, umas nesgas de alegria ainda persistem a escorrer da ponta dos dedos aos cabelos macios dos inocentes, atitude instintiva, débeis carícias abandonadas aos que tanto ensinaram a amar.

De outras feitas, contudo, ali, assim, fecham o semblante e demonstram lances pessoais de uma luta interna que lhes joga poeira às redondezas do rosto. Quais testemunhas isoladas nas primeiras sessões dos tribunais que defrontarão no campo da Eternidade, envoltos na eloquência desses julgamentos de consciência, crescem ao sabor da chama das réplicas os olhos murchos de lágrimas secas. 

Postos de face com a face do destino, o drama secular das irrealizações humanas chora, quase grita. Por isso, angustia com força quem andar por perto deles, nos respingos da tempestade, no mar imenso dos sentimentos e ações antigas. Sofrer, com eles, esses tais silêncios incontidos das crises terminais dos sonhos significa, também, sofrer dentro da gente o alerta de que se aproxima a transição das certezas. Pernas parecem quase não cumprir os trechos finais da estrada de volta para casa. Olho, contudo, assustado essa indiferença dos nossos heróis que, agora, desfazem gavetas e arrumam as malas. Aquela gravidade carrancuda virará o rosto nessa hora da verdade, impondo maior respeito. Monumentos de outrora, erguerão a riste o indicador e reclamarão coragem aos que permanecerem, quando vestirem o manto da despedida. Nessa hora, vencerão a batalha das quimeras morais e dores físicas, e repousarão, em paz, nos braços aconchegantes da ausência inevitável.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A LANTERNA DA CONSCIÊNCIA - Emerson Monteiro



Dia desses, num comentário dos que gosto de rascunhar, A dor para Buda, afirmava que guarda o pensamento estreita relação com o sofrimento humano. Do pensar vem o desejo e da não realização do desejo advém a dor. Porém se sabe que o pensamento, segundo os místicos, representa atributo essencial do espírito. Contudo há que ser dominado, burilado, invés de deixá-lo só solto, de bobeira, a dominar, dar as cartas à sua maneira.

Através do pensamento o eu exerce o discernimento na escolha, fator fundamental para exercício da liberdade. Enquanto a consciência, esta trabalha na terra de ninguém faixa de fronteira entre o finito e o infinito, bem onde vivemos nós, a todo tempo, síntese da existência individual.

Pelo pensamento livre encaminhamos a vontade na seleção das duas escolhas entre o possível e o necessário. Pensamento lúcido, fator de ponderação e conhecimento. 

Sem querer mergulhar mais ainda nas entranhas do existencialismo moderno, o resumo disso que falei significa o exercício da mais pura liberdade. Somos o que fazemos de nossa liberdade por meio da vontade, pois. 

No objetivo de responder ao enigma da existência, drama milenar dos seres racionais, permanente a cada fração de instante, conduzimos as escolhas nos praticados, o primado da vontade, porquanto o eu é a liberdade feita prática de vida, concretização da verdade pessoal.

Na realidade, aquilo denominado existência permite, desta forma, a crise de viver para escolher, ação possível antes de acontecer; e definitiva logo no momento seguinte depois de concretizada a escolha. Tal aflição recebe nomes diversos, quais angústia, desespero, absurdo. Quanto a esse gesto de lançar mão da oportunidade no exercício da liberdade, ele requer a missão do pensamento, o farol clareador dos caminhos da consciência em ação.

Conquanto espelhe a vontade na ação da prática da liberdade, nisso aprender a pensar denota corpo valioso de instrumento poderoso. Refletir, portanto, na tomada das decisões (antessalas das escolhas) alimenta o sistema da consciência e produz melhores e compatíveis resultados de valor ideal com o direito da liberdade.

O MISTÉRIO DA FÉ - Emerson Monteiro



Hoje pela manhã em pleno sol das 10h, avistei no coreto da Praça Siqueira Campos, em Crato, um pregador do Evangelho a cumprir missão de transmitir os versos bíblicos. Munido de microfone e caixa de som, repercutia no céu aberto as palavras da leitura que fazia; de chapéu e óculos, atualizava nas cabeças dos presentes, sentados, ou de pé, distantes à sobra das poucas árvores, o exercício dos conceitos cristãos, e gravei o que falava a propósito da esperança.

Longe de demonstrar dificuldade, ou timidez, o pregador exercia de pleno direito a função religiosa que lhe atende ao desejo de trazer adiante os princípios da sua convicção, ato público adequado aos tempos heróicos das tradições seculares. Fosse alguém questionar o exercício democrático e nem se daria ao gesto de levar em conta as opiniões contrárias.

Tantos e quantos ora vivem da fé autêntica, espalhados pelo mundo. Isto em época de mercantilização de valores e virtudes, safra desembalada dos falsos cristos e falsos profetas noticiados pelos livros sagrados, quando multidão padece da ausência angustiante das verdades sinceras.

Há criaturas movidos pela certeza interior das convicções que saem aos povos, munidos dessa sinceridade, e testemunham realidades sólidas a gritar dentro da alma. Estes superam barreiras de comodismo, respeito humano, inibição, e rompem nas vilas, campos e cidades, exercitando o poder supremo da Palavra, acima das limitações territoriais e dilemas pessoais. Cumprem ao pé da letra o ensino avassalador dos mestres santos, na busca de tocar corações com as luzes essenciais desse Amor sem dono, sem pátria, sem mistificação.

Algo me falou naquele momento, no aberto da praça ao sol da manhã fervente do verão sertanejo, do fogo abrasador do Espírito Santo a tocar raros seres pela dinâmica inevitável do mistério que é a fé suficiente a transportar montanhas e lançar oradores solitários na semeadura do Bem através dos viventes deste chão, solo da salvação. Experimentei nisso a paixão incontrolável dos missionários clamando no deserto das ingratidões e pedindo clemência, em reinos indiferentes, prenhes dos pecados bestiais de tronos vendidos e inúteis.

Viajantes raros insistem, portanto, na peleja de salvar a nossa Humanidade pelas suas ações em manhãs ensolaradas, disto sei, pois sinais seguem visíveis na alma santa dos simples, o que significa alimento nutritivo do sonho de paz vivo para sempre na beleza dessa gente.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O MANTO E A TIGELA - Emerson Monteiro

Consta da tradição chinesa que, no século VII da nossa era, existiu um jovem conhecido por Hui-neng, discípulo dedicado aos estudos das coisas religiosas de sua crença a ponto de chegar ao posto de patriarca do Zen-budismo. 

Lenhador e analfabeto, sensível à vocação que abraçara, foi admitido no mosteiro da ordem apesar de não possuir quase nenhum conhecimento literário das santas escrituras da religião. 

Desde o noviciado o discípulo chamava a si toda a atenção do quinto patriarca, que nele distingui o seu próximo sucessor.

No entanto, sabedor das artimanhas dos outros monges e querendo prevenir os efeitos característicos da inveja, esse cancro insano da humana natureza, na hora certa, buscou transmitir em segredo a Hui-neng o manto e a tigela que simbolizavam as funções de Grande Mestre da corporação monacal que dirigia.

Sem alimentar qualquer esperança de natural aceitação dos demais pelo seu gesto, a um só tempo orientou o devoto para que rumasse ao sul do país, afastando-se o máximo da presença dos outros candidatos na sucessão do mosteiro.

Passados alguns dias, margem suficiente a que o fugitivo percorresse larga distância, o patriarca reuniu a comunidade e revelou, nos justos detalhes, o que acontecera. Com isso, de logo, monges exaltados saíram ao encalço de Hui-neng, decididos resgatar a tigela e o manto, prendas de graduação evolutiva na corporação, considerando imprópria a medida do superior.

Quando Hui-ming, ex-militar e um dos rebeldes dispostos a utilizar a força para obter seus intentos, galgou chegar ao pouso onde o sexto patriarca se refugiara, este jovem monge apenas largou sobre uma rocha dali os cobiçados objetos que consigo transportava, ao instante em que buscou evadir-se, afirmando, contudo:

- Este manto que me envolve representa o sagrado; não me sendo correto por ele usar da violência em nenhuma hipótese. 

A seu modo, homem de força bruta considerável, Hui-ming correu em direção do manto e da tigela. Aquilo a princípio tarefa das mais insignificantes tornou-se improvável, porquanto, ainda que despendesse suficiente energia, nada resolveu de retirar os objetos que se achavam como que integrados pela rocha.

O fenômeno insólito assustou-o sobremaneira, alertando quanto aos aspectos transcendentais da situação. Como inútil para repetir as tentativas, Hui-ming só então observou o valor especial do novo patriarca, nunca tão indicado ao título que recebera.
Cabisbaixo, nessa hora mudou de atitude e exclamou:

- Trabalhador, eu vim aqui pelo ensinamento, e não pelo manto!

Hui-neng retornou ao ponto em que largara o desafiante, dirigindo-lhe saudação respeitosa e pedindo que explicasse o ensinamento recolhido daquela experiência, e resolveu por inteiro a crise que se esboçara.

Entre os textos zen, esta história é conhecida como O sutra de Hui-neng, que serve de transmissão de preceitos há vários séculos.