terça-feira, 21 de junho de 2011

O CHICO QUE LAVRAS VIU - Batista de Lima.





Chico Buarque é um homem urbano. As fronteiras de sua inspiração não ultrapassam os muros das cidades. Entretanto, sua arte não tem limites para se expandir. O artista universalizou-se a ponto de atingir até os confins dos sertões. Os mais diversos meios de comunicação lhe serviram de suporte para encurtar distâncias. Não era pois de se estranhar que o artista chegasse a Lavras com sua "A Banda", via rádio, discos, revistas e jornais. Não é surpresa que lá, daquela cidade do Centro Sul Cearense, surgisse uma de suas melhores analistas, a autora de uma leitura marcante de trabalhos seus. Seu nome: Cristina de Almeida Couto.



Cristina é natural de Lavras da Mangabeira. É jornalista e publicitária, pós-graduada em Marketing Político, atuando como assessora parlamentar na Câmara Municipal de Fortaleza. Quando elaborou sua pesquisa monográfica na área de Comunicação Social, em 2005, não se preocupou apenas em conseguir mais um diploma para seu currículo. Sua preocupação primeira foi vasculhar obras de Chico Buarque de Hollanda e auscultar, na pulsação de suas letras, a relação do artista com suas cidades. Essa relação não é apenas do compositor mas de todos aqueles que habitam o espaço urbano.



Chico Buarque é um artista dicotômico. Está sempre derivando entre dois polos da criação artística. Ora prevalece o quase arquiteto esquadrinhador de contornos formais, ora emerge de subjetividades que só artistas de profunda sensibilidade conseguem vislumbrar. Ele trafega com desenvoltura do morro à beira-mar, do real ao imaginário, do riso ao sério, do popular ao oficial, do sagrado ao profano, do erudito ao popular, da opressão à liberdade, estabelecendo entre esses polos, uma ponte produto de sua construção poética. Foi exatamente nesse intermediar entre opostos onde a pesquisadora instalou seu olhar perscrutador.



Cristina Couto detectou, com sua perspicácia, os alicerces das cidades buarqueanas. Para isso ela começou apresentando a trajetória artística de Chico Buarque, sua formação cultural e seu posicionamento político. Começou com os festivais da canção, principalmente, aquele de 1966, da TV Record, quando com sua "A Banda", ele, aos 22 anos de idade, dividiu o primeiro lugar com "Disparada", de Geraldo Vandré. Em menos de uma semana, seu disco vendeu mais de 100 mil cópias e o consagrou como compositor.



Esse compositor já possui tantas composições consagradas que seria temeroso para a pesquisadora fazer uma leitura totalizante de sua obra. Ela então delimitou seu trabalho em torno daquelas músicas onde o esboço da cidade se torna mais evidente. Daí que escolheu "A Banda", 1966; "Construção", 1971; "Geni e Zeppelin", 1978; "As Vitrines", 1981 e "Vai Passar", 1984. Acontece que antes de detectar as cidades presentes nessas composições, Cristina Couto apresentou aspectos da vida de Chico, bem como suas divergências com o Regime Militar e o que isso influenciou na sua produção musical.



Os aspectos mais importantes da vida de Chico Buarque de Hollanda já são conhecidos do grande público mas a autora apresenta alguns que não são tão conhecidos. Nascido no Rio de Janeiro, ainda criança mudou-se com a família para São Paulo, "onde cresceu rodeado de intelectuais, amigos do seu pai, e de músicos, amigos de sua irmã mais velha, a cantora Miúcha". Quando criança gostava de ouvir marchinhas com sua babá Dona Benedita em um pequeno rádio. Também gostava de desenhar com os irmãos, em grandes pedaços de papel, mapas de cidades, sendo a sua sempre chamada de "Rosália".



Segundo a autora, suas primeiras paixões foram o futebol e a literatura, e as influências musicais vieram de Noel Rosa, Ismael Silva e Ataulfo Alves. É tanto que abandonou o curso de Arquitetura da USP para se tornar aprendiz de Tom Jobim, João Gilberto e Vinicius de Moraes. A partir do sucesso, no meio jovem estudantil, principalmente, seu circuito de atuação era nos CPCs (Centros Populares de Cultura), no Teatro de Arena, no Grupo Opinião, no Oficina e no cinema Novo. Tudo isso sem deixar de torcer pelo seu Fluminense, paradoxalmente, o mesmo time do coração do Presidente Médice que também frequentava o Maracanã com seu radinho de pilha.



O grande momento da ruptura, no entanto, foi a decretação do AI-5 (Ato Institucional nº 5), quando o Presidente da República Costa e Silva, em dezembro de 1968, deu sua dura resposta à Passeata dos Cem Mil. A partir de então a censura começou a castrar a produção artística nacional e a saída foi metaforizar a palavra. A linguagem alternativa, o trocadilho, ou a "linguagem da fresta", como dizia Caetano Veloso, começaram a caracterizar a música de Chico Buarque e de seus contemporâneos artistas, como o grupo baiano que inventou o tropicalismo. O duplo sentido era o disfarce para continuar a luta.



Mesmo com esse viés político, Chico Buarque retrata nas suas músicas, trabalhadas por Cristina Couto, aqueles habitantes habituados a serem habitados pela cidade. São pessoas curvadas sob o peso da urbe e que mesmo o soluço sendo a solução, às vezes, tudo transborda musicalmente, principalmente o samba do morro. É no samba, no mundo carnavalesco, onde se instalam em forma de antíteses, os "barões famintos e Napoleões retintos". Para captar todo esse panorama urbano na arte buarqueana, a lavrense Cristina de Almeida Couto terminou por elaborar uma substanciosa pesquisa que agora passa a enriquecer a fortuna crítica de Chico Buarque de Hollanda e ao mesmo tempo cristaliza sua vertente de pesquisadora, além da militante que tem sido, pelas causas da cidadania, do meio ambiente e do patrimônio histórico de Lavras da Mangabeira.


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