quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

AS EMISSORAS INTERNACIONAIS - Emerson Monteiro

Houve um tempo quando apreciei com intensidade as transmissões da radiofonia mundial em ondas curtas, reservando horas e horas noturnas para ouvir as programações em português e espanhol, elaboradas nos mais diversos países. Esse gosto veio despertado por amigos e colegas de colégio que nutriam interesses ocasionais em colecionar selos, quadros de fitas de cinema, estudar inglês e acompanhar lançamentos cinematográficos, assuntos que preencheram a minha adolescência.
Além de seguir de perto as grades de programação, também escrevia às emissoras, dando notícias das recepções e apresentando ideias e motivos talvez a serem aproveitados pelas estações de rádio.
Era uma época de extrema efervescência e movimentação das forças políticas, na primeira metade da década de 60, auge da Guerra Fria, quando, inclusive, o rádio se prestou à divulgação e propaganda ideológica dos blocos nela envolvidos. De um lado, o capitalismo internacional do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos. Do outro, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ponta de lança do que propunha o comunismo, já instalado também na China, desde 1949, com Mao-tsé-tung no poder; em Cuba, após a revolução de Fidel Castro, em 1959; no bloco dos países da Europa Oriental, na Coréia do Norte, como alternativa ao modelo da democracia americana para as outras nações, após a Segunda Guerra.
Recordo que, nessa fase, ouvia com assiduidade transmissões da Rádio Difusão e Televisão Francesa, Rádio Canadá, BBC de Londres, Rádio Havana, Voz da América, Rádio Holanda, Rádio Suíça Internacional, Rádio Suécia, Rádio Praga, Rádio Sofia, Rádio Cairo, Rádio Espanha Internacional, Rádio Pequim, Rádio Central de Moscou, Rádio Tirana, Rádio Vaticano, Voz da Alemanha, dentre outras, que mantinham horários para o Brasil e os demais países de língua portuguesa.
Informações fervilhavam a cruzar os céus logo que chegava a noite, das 19 às 23h, horário de melhor propagação das ondas. O meu receptor, rádio a válvulas, permanecia ligado todo tempo, enquanto promovia anotações e apurava os ouvidos, nas faixas de 16 a 49m, vezes sob chiados e ruídos intensos que dificultavam as audições.
No país, eram as notícias peneiradas pelos órgãos de segurança e que, entretanto, vazavam pelos correspondentes estrangeiros, chegando ao nosso conhecimento pelos departamentos internacionais, época de clandestinidade e repressão, anos de chumbo, quais se dizem.
Remetia cartas aos endereços dessas emissoras, que as respondiam com regularidade e juntavam às respostas publicações dos países; livros, revistas, jornais, postais, selos, broches, flâmulas e outros brindes. Cada recebimento dessas respostas era um dia de festa. Abria o envelope e examinava com cuidado seu conteúdo, estimando o valor em face da distância que percorrera. Nisso, espécie de fetichismo logo invadia a alma de mistério.
Depois, novos apegos surgiriam com a descoberta do prazer da literatura e seus variados autores brasileiros e estrangeiros. Mais adiante, os filmes de Hitchock, do Cinema Novo, os clássicos da Cristandade, os faroestes inolvidáveis, o cinema de arte europeu, além dos festivais da canção, e a MPB, reunidos às emoções dos primeiros namoros, para, assim, excluir em definitivo o pouco espaço que restara entre os estudos e aqueles solitários serões radiofônicos.

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