sábado, 16 de outubro de 2010

NUMA TARDE MORNA DE OUTUBRO - Emerson Monteiro

As palavras escorrem feitas longas lavas aquecidas de vulcão pelas frestas livres de pensamentos flutuantes que se deixam transcorrer, e insistem fogosas a vadiar nos campos reluzentes intensos dos blocos de sombras claras, nas folhas secas espalhadas em solos convidativos de formações superpostas, céu azul de tarde informe, infinita. Vão e vêm aos gestos matemáticos astutos dos caçadores armados até os dentes em cada esquina silenciosa do aberto firmamento que lhes invade o mistério, rasgando sem pudor a veste suave das cores mil da imaginação impaciente.
Estrelas penetram esse teto cor de rosa das antigas telhas, no sótão da casa velha, numa cidade abandonada, daí descem impávidas através das réstias fulgurantes, quais poemas alados, sentimentos impossíveis de formas e gentes, que percorrem corações, pulmões, artérias, e sacodem ao som dos acordes circunstanciais de saudades irremovíveis, sobreviventes à retina do sonâmbulo que passeia entre as pedras super aquecidas, no fulgor dos sóis ilimitados.
Quase gosto de rever a sensação da véspera, de um sonho interno consistente. Feliz amabilidade se estabelecera no interior das fibras do ser e mergulhara enervada antes/durante/depois. Força prudente de quem chega para sempre permanece agarrada nas tetas instintivas do corpo, formando grotas fundas do domínio. Luzes escorregadias, invasoras de células, revelaram o mesmo destino. Garras convergentes, açoites e fogos exóticos das supremas elevações e trens velozes riscaram nos ares faíscas e ritmos frenéticos bem perto das espirais constantes vitais.
Quantas vezes passadas aqui as perguntas redivivas e reais, blocos sólidos voando geométricos sobre feras descuidadas reunidas ao sabor das palavras de ordem espedaçadas nos poemas e amealhadas às pressas nas barracas das feiras, pregões doces desprendidos de portas arregaçadas pelo vento enovelado de chamas cinzas.
Inúteis pinceladas riscam, pois, sortilégios nos muros enegrecidos, garagens inesperadas e pontes. Letras e outros sinais entregaram suas asas indiferentes ao sopro da brisa, na espera das redes que cativem e conduzam, no burburinho dos versos. Bichos de goma arábica, marfim e flandres, móbiles tilintando ao suspiro das garças divertidas chilreando voos em gargalhadas juvenis propagadas no espelho das águas lá longe, ponto de fuga extenso do quadro vespertino.
Que mais querer senão emoldurar as notas cristalinas do espetáculo translúcido da tarde em forma de olhares para dentro e ver dentro ainda mais...

Nenhum comentário: