domingo, 24 de junho de 2018

Prefácio - Por Émerson Monteiro






Isto de isenção absoluta em matéria de assuntos humanos já se sabe em definitivo que não existe. Na historiografia também acontece do mesmo jeito. Desde a seleção do tema a ser abordado, aos métodos adotados, em tudo por tudo o autor põe sua capacidade de escolha, a demonstrar o quanto difícil será fugir da participação pessoal naquilo de que trata. Tem sido assim desde que o primeiro homem se deteve na investigação da história, e de certeza assim continuará pelo correr dos séculos adentro. Aonde tocar, ali nascerá nova história, por mais que intente aprofundar os temas e as versões que os enquadram. O que fará a diferença serão o esmero e a diligência dessas abordagens. O afinco e a seriedade com que mergulhar naquilo que recolhe de depoimentos, documentos, interpretações anteriores, peças e materiais encontrados na fria matemática de aproximação dos esforços.
Cristina Couto compõe esse quadro de seriedade no trato dos compostos da história de Lavras da Mangabeira. Juntamente com Joaryvar Macedo, Melquíades Pinto Paiva, Batista de Lima, Dimas Macedo e João Tavares Calixto Junior, que formam o panteão dos historiógrafos a primar em recolher com carinho e acendrado amor peças raras do passado dessa comuna interiorana do Ceará, reconhecidamente rico em característica antropológicas, etnográficas e históricas do período feudal nordestino brasileiro, e delas formam o que restou de nossos registros em verdadeiras obras literárias da maior importância do ponto de vista das ciências sociais, durante todo tempo. Há uma legenda de que Lavras detém largo número per capita de intelectuais e artistas além da média dos demais rincões do Estado, o que a situam dentre os lugares privilegiados neste conceito. E seus historiógrafos bem caracterizam tais pretensões, sobretudo no que tange ao zelo e a qualidade do que produzem.
Este trabalho de Cristina agora, mais uma vez, demonstra a largas tais considerações. No que diz respeito ao trágico Episódio de Princesa, na Paraíba, que envolveu o primeiro dos netos de Dona Fideralina, a matriarca de quatro costados das Lavras e dos Augustos, a autora encetou pesquisa inolvidável, digna dos grandes missionários da investigação histórica, indo bem dentro das profundidas possíveis daquilo que quis conhecer e reunir. Abriu mão das comodidades rotineiras, viajou aos lugares dos acontecimentos, visitou familiares dos principais personagens, avassalou nas matérias anteriores, vasculhou os documentos oficiais do processo, interpretou coerentemente livros, jornais e revistas que abordaram, à época, o polêmico assunto, e produziu texto admirável pela clareza e totalidade daquilo em que sentiu o dever científico de bem informar o leitor, dada a sua qualificação acadêmica de propiciar à posteridade uma visão crítica da momentosa e tão traumática ocorrência envolvendo o médico cearense Ildefonso Augusto de Lacerda Leite.
Além do mais, Cristina Couto possui um texto escorreito, prático e fluente, ao estilo dos bons romancistas, no que prima enfeixar e desenvolver os subsídios que localizara no decorrer da longa caminhada, relíquias ainda existentes quanto ao incidente histórico e suas inevitáveis consequências pessoais e sociais.
Outra vez está de parabéns a cultura histórica do Ceará, quiçá do Brasil, com a maturação desta escritora e da sua produção científica, motivo da melhor justiça aos que ora se debruçam em conhecer o seu apreciável trabalho.

                                               Emerson Monteiro