O Brasil não tem problemas,
Só soluções adiadas
Câmara Cascudo.
O Brasil foi o último país do mundo a libertar os escravos, e, 13 de maio de 1888, retirando das fétidas senzalas e lançando nas periféricas favelas quase um milhão de afrodescendentes.
Assim, depois de Gana, floresceu a segunda maior nação negra do globo, amalgamada no cadinho da miscigenação racial, enfeixando negros, brancos, indígenas, conformando o que denominamos de raça brasileira, falando uma língua – o brasileiro.
Quem somos? Quantos somos? Quantos éramos? Negros, escravos, arrancados da África, vilipendiados por aqueles que falavam a LÍNGUA PORTUGUESA, sob a égide de um homem que falava aramaico.
Estimam em doze milhões de negros e falavam português! Todavia, 25% desta cifra, mortos nos tumbeiros, repousam nas profundezas atlânticas.
Genocídio? A cruz e o poder bélico sempre andaram entrelaçado.
Quantos foram os negros escravizados é uma indagação que nasce e morre em 1890!
Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda, em 1890, baixou polêmico ato, que muitos consideram verdadeira supressão da história escravista brasileira.
Decreto de 14 de dezembro de 1890, regulado pela Circular nº 29, de 13.05.1891:
“Rui Barbosa, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e Presidente do tribunal do Tesouro Nacional: considerando que a nação brasileira, pelo mais sublime lance da sua evolução histórica, eliminou do solo da pátria a escravidão – a instituição funestíssima que por tantos anos paralisou o desenvolvimento da sociedade, inficionou-lhe a atmosfera moral;
Considerando que a República está obrigada a destruir esses vestígios por honra da pátria, e em homenagem aos nossos deveres de fraternidade e solidariedade para com a grande massa de cidadãos que pela abolição do elemento servil entraram na comunhão brasileira;
Resolve:
1º - Serão requisitados de todas as tesourarias da fazenda todos os papéis, livros e documentos existentes nas repartições do Ministério da Fazenda, relativos ao elemento servil, matrícula dos escravos, dos ingênuos, filhos livres de mulher escrava e libertos sexagenários, que deveram ser sem demora remetidos a esta capital e reunidos em lugar apropriado da Recebedoria.
2º - Uma comissão composta do senhor João Fernandes Clapp, Presidente da Confederação Abolicionista, e do administrador da Recebedoria desta capital, dirigirá a arrecadação dos referidos livros e papéis e procederá a queima e destruição imediata, que se fará na casa da máquina da Alfândega desta capital, pelo modo que mais conveniente à comissão.”
Registros de um genocídio, que devastou a população do continente africano, foram incinerados nos fornos do Império.
Quem somos hoje?
Hoje, somos um país de vastidão continental com imensas dificuldades, pós-colonialistas, recuperando níveis educacionais, culturais, econômicos, atingindo cerca de 200.000.000 habitantes, procurando-se resgatar os seculares prejuízos ocasionados pela infâmia da escravidão negra e indígena. Quase meio milênio de exploração sistemática, recebendo a escória européia!
As gerações atuais estão desenvolvendo um país do futuro com linguajar próprio, participativo no contexto desta Aldeia Global, único no entrelaçamento racial, capaz de encontrar permanente equilíbrio vivencial.
E que idioma falamos?
As línguas dos países sofrem permanentes mutações e muitas delas desaparecem no curso do processo civilizatório com a queda dos impérios.
Analisaremos algumas realidades:
PAÍS POPULAÇÃO ÁREA/Km
Brasil 200.000.000 8.530.000
Moçambique 19.000.000 800.000
Angola 13.000.000 1.246.700
Portugal 10.000.000 92.000
Guiné-Bissau 1.300.000 36.000
Timor Leste 750.000 14.000
Macau 445.000 25,4
São Tomé e Príncipe 181.000 1.000
Vejamos, que somos cerca de 200 milhões de almas, falando e escrevendo o brasileiro com seus modismo e idiossincrasias.
Estamos construindo nossa modernidade, reunindo valores extraídos dessa miscelânea de povos e gentes, que estratificam esta Torre de Babel, que se chama Brasil.
Lusofonia é uma palavra restritiva, que concerne exclusivamente a Portugal, ao contrário da Commonwealth, que se projeta além Inglaterra, relembrando-se a tentativa da França com sua Francofonia, se debruçando nas ex-colônias.
Vislumbra-se que Portugal procura ligar-se as ex-colônias pelos laços da portuguesa saudade, da história e de um Passado, que passou!
Se Pombal vivesse hoje e quisesse impor uma unidade lingüística, via clero, abraçando o latim, suprimindo as línguas nativas, seria um personagem quixotesco da comunicação globalizante.
O português é a resultante do latim vulgar, outrora falado na Lusitânia durante a ocupação romana, revigorante no interregno de oito séculos da dominação árabe.
O Brasil não é uma elite branca!
É um universo negro, mestiço, mameluco, indigena, cafuso, jogado nos sertões ínvios da pobreza e alienados nas favelas, realidade que nós temos que resgatar, convidando-os a mesa de cidadania.
Não basta fazer intransponíveis acordos e desacordos ortográficos, que se circunscrevem a retórica das vaidades!
O Chile detém dois prêmios Nobel de Literatura – Gabriela Mistral e Pablo Neruda, que desenvolveram suas obras na unidade da língua hispânica.
O que será da Língua Portuguesa se não nos reunirmos em torno da realidade, examinando-a sob o foco da dialética da diferença?
Fortaleza, 15 de abril de 2008.
Dr. José Carlos Gentili.
Presidente da Academia de Letras de Brasília.
Data de Fundação: 01 de junho de 2008 / Presidente: Dimas Madedo/ e-mail:academialavrensedeletras@gmail.com
sábado, 28 de fevereiro de 2009
PARABÉNS AO NOSSO PRESIDENTE DE HONRA
Hoje, 28 de fevereiro, a Academia Lavrense de Letras teve a honra de comemorar o aniversário do acadêmico mais ilustre e querido por todos. O grande poeta e mestre Linhares Filho. O evento foi uma iniciativa do presidente da Academia Dimas Macedo. A comemoração teve como palco o Pianos Bar do Ideal Clube e contou com a presença de grande parte da ALL, do presidente da Academia Cearense de Letras, os familiares do aniversariante e alguns intelectuias cearense. Queremos parabenizar o nosso conterrâneo, desejando-lhe muitos anos de vida com muita saúde e muita lucidez.
domingo, 15 de fevereiro de 2009
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Palavras na Instalação da Academia Lavrense de Letras
* Discurso proferido pelo
Acadêmico Linhares Filho
(Presidente de Honra da Academia)
por ocasião da Instalação da ALL
em Lavras no dia 13 - dez - 2008.
Agradeço intensamente a gentileza de meus pares de conceder-me a palavra nesta solenidade, quando outros mais aquinhoados de eloqüência, mais sabedores da História de nossa Terra e mais próximos dos fatos da modernidade lavrense melhor se desincumbiriam da presente tarefa. Atribuo a concessão, como outras dos meus consócios a mim, a uma gentil deferência à idade, que poucos como eu atingiram em nossa Academia, e ao amor que indiscutivelmente cantei mais que outros a Lavras.
[......] ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
Esses versos neossimbolistas, catárticos e algo obscuros de Fernando Pessoa, ouvidos agora, quando nos deparamos com a simplicidade, o bucolismo, a leveza do ambiente sertanejo de nossa Lavras, vindos que somos de um meio pesado de especulações e recursos civilizacionais, soam, de algum modo, adequados para traduzir, em sua opacidade, os nossos sentimentos, diante de certa inefabilidade destes, entre os quais está o complexo enlevo de nossa alma que, reencontrada com o chão nativo de nossa saudade, tende a levitar e, entre apóstrofes afetivas, transcender, para, depois de beijar o nosso torrão e abraçar o nosso povo, tentar livrar-se, por um instante, da ciência que nos encanta mas nos inquieta, e reviver a insciência do éden de nossa infância, quando éramos felizes e não sabíamos que o éramos.
Escreveu o poeta português, antes dos citados versos, dirigindo-se à ceifeira: “Ah, poder ser tu sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência, / E a consciência disso!” Impossível, embora legítima, a realização desses desejos do eu lírico, por implicarem uma complexidade paradoxal, se bem que expressiva. Por isso é que ele apela para a remediadora solução do onírico poético, que se encontra no bucólico primeiro trecho citado. E, assim, Pessoa abre caminho para o milagre criativo da conciliação do saber com o não-saber, da ciência da capital, onde residimos, com a relativa inocência deste ambiente da antiga infância, a fim de conseguir-se a realização humana, a felicidade, a plenitude do Ser, as quais o espírito de nossa Academia perenemente buscará, pois queremos unir o litoral ao sertão, a metrópole ao interior, o desenvolvimento da grande urbe à simplicidade do campo e da pequena cidade, não obstante desejarmos esta sempre mais desenvolvida.
Tudo se deve à inquietação fecunda e à coragem empreendedora do poeta conterrâneo Dimas Macedo, que concebeu a idéia da Academia Lavrense de Letras, conseguiu convencer um pugilo de intelectuais da necessidade da criação desta entidade, fez a idéia transmitir-se aos demais integrantes do sodalício, e eis-nos aqui, inaugurando-o em nossa Terra, sob as bênçãos de Deus, do Padroeiro São Vicente Ferrer e sob os auspícios da Exma. Sra. Prefeita Edenilda Lopes de Oliveira Souza, da Câmara dos Vereadores do Município, e contando com o apoio de políticos influentes e conterrâneos como Eunício Oliveira e Heitor Férrer. Era preciso que uma personalidade como a do poeta, crítico literário e historiador Dimas Macedo, homem cheio de amor a esta Terra, movesse, com a sua sensibilidade, o seu idealismo e a sua ação dinâmica, os seus pares, para que esta Academia se tornasse realidade, confirmando-se, desse modo, a herança recebida da veia poética de seu pai, José Lobo de Macedo (Zito Lobo), da têmpera e do talento de seu avô, Antônio Lobo de Macedo (Lobo Manso) e da competência e erudição do seu tio Joaquim Lobo de Macedo (Joaryvar Macedo).
Lembremos que não só a poesia de Dimas Macedo revela o seu amoroso culto a esta gleba, mas também o livro Lavras da Mangabeira: roteiros e evocações, um verdadeiro cancioneiro de nossa cidade, acrescido de pensamentos de autores insignes sobre ela, e ainda o volume Lavrenses Ilustres, repositório histórico-biográfico, que justifica sobejamente a criação de uma Academia de Letras como esta, com patronos e membros ilustres, que fazem desta Terra uma Atenas cearense. Faça-se justiça aos ilustres nomes dos assessores diretos do Presidente, João Gonçalves de Lemos, Gilson Batista Maciel, Mário Bezerra Fernandes e Jeová Batista de Moura, integrantes da Diretoria da entidade, que contribuíram decisivamente para que ela se criasse.
Os participantes deste sodalício queremos conciliar o erudito com o popular, a teoria acadêmica com o “saber de experiência feito”, abrigando em nosso quadro de sócios tanto o graduado como o pós-graduado universitários, tanto o artista das diversas belas artes como o autodidata e o formado na escola empírica da vida. “E o pensar que a Terra formou”, conforme canto no nosso hino valorizado com a bela música do compositor Nonato Luiz, foi aventurar-se pelos meandros da civilização e ilustrar-se nos campos de Minerva (ou Palas-Atena). Esse pensar é o de todos nós, que abrigamos na pele e no sangue a luz e o calor de Apolo, colhidos nesta Terra tropical, calcinada e sofrida, mas lutadora e tenaz, para que brilhássemos longe dos nossos pagos, dos campos de cujos produtos Ceres e Diana nos alimentaram. Mas também nos banhamos com a água abençoada e fecunda do Rio Salgado, que mais parece haver nascido de uma patada do Pégaso, atualizando entre nós o feito praticado no monte Hélicon, da Beócia, para dar-nos a força do estro que nos torna criadores na Ciência, nas Letras e na Arte. Aliás, podemos também encarar o nosso rio segundo a ótica do poeta Francisco Carvalho, que escreveu:
Lavras é um mito que o Salgado banha
com seu rumor de pífaro e realejo.
[...]
Rio que embala um pégaso na entranha
fecundada de esperma benfazejo.
A chama olímpica e apolínea que daqui levamos a meios adiantados, progressistas, para que mais luzisse em nós e iluminasse outros ambientes, aqui trazemos hoje para, transfigurada, ser alçada bem alto na pira do nosso devotamento à Terra do nosso berço. De fato ofertamos a esta o grande clarão em que se transformou aquela chama, formada em nós com o sol e a energia de Lavras, cada vez mais em nós potencializados. Por isso é que rogamos:
Ó sol de Lavras, já desde a infância
por ti queimados, nos fertilizes,
para que a força de nossa ânsia
de criar nos faça sempre felizes.
Alguns se lembram, como eu, de que os rapazes do tiro de guerra daqui e de antanho, comandados pelo Sargento Valdemar, cantavam e assoviavam, pelas ruas da cidade, no alvorecer do dia, saudando o sol nascente com estes versos: “Viva o Sol do céu de nossa Terra! / Vem surgindo por trás da linda serra!” Essa evocação mistura-se a uma outra, a das alvoradas das festas do Padroeiro, e uma e outra lembrança, surgidas de ocorrências que embalaram musicalmente o despertar do nosso sono de meninos, unem, de modo sinestésico, sons e imagens, para, neste momento em que cantamos o sol que nos encanta, se transformarem em vislumbres ensolarados de uma nova era para a Cultura e a vida desta cidade.
Se ao Rio Salgado podemos confidenciar as nossas mágoas pela paradoxal doçura de suas águas salobras, quase da mesma natureza das lágrimas, ao sol de Lavras podemos contar as nossas vitórias, por ele ser, quase constantemente, pelo seu brilho, uma apoteose.
Um comportamento solidário e ontológico é o que adotamos, inspirados na concepção cristã Ut omnes unum sint (“Para que todos sejam um”) e na categoria existencial-ontológica de Heidegger: o Mitsein (“Ser-com-alguém”; por extensão, “Ser-com-os-outros”). Por isso é que se afirma em nosso hino: “Ser um com os outros é o nosso lema.” E entrevemos a transmissão de valores dos maiores aos mais novos na tridimensionalidade do tempo, rio que se confunde com o Salgado, fluindo em nós, lavrenses, do ontem para o hoje e do hoje para o amanhã:
Se em nosso peito corre o Salgado,
é bela a herança dos que virão.
E sob as bênçãos do antepassado
há de surgir perfeita a criação.
Cada um de nós, acadêmicos, cultua o patrono de sua Cadeira, mas também, na vibração do sangue que corre em nossas veias, reverencia o ícone, o oráculo de sua família, aquele que, pelo exemplo do caráter ilibado, se apresenta como paradigma de conduta de seus descendentes. No meu caso, evoco a figura do filólogo, orador e poeta Joel de Lima Linhares, patrono de minha Cadeira, como valor intelectual; e a personalidade ímpar de meu pai, o farmacêutico Dr. José Gonçalves Linhares, antigo prefeito desta cidade, político, humanista, mas sobretudo homem de ciência, que soube distribuir aos concidadãos uma assistência responsável no exercício criterioso da profissão, e impôs-se no seio da família como um chefe honrado e cheio de virtude, por isso mantendo em meu peito uma herma de luz, que a cidade não lhe erigiu de bronze, como o merecia.
Escreveu José Saramago no seu Memorial do Convento: “Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas.” Exma. Sra. Prefeita, para que o tempo das perguntas não demore mais, a V. Exa. que conseguiu reeleger-se devido à destacada administração do seu mandato anterior, ouso inquirir: por que não se construir um balneário junto ao Boqueirão que representa todo o anseio da terra: o dar, o florescer, como concebi num poema e, “aberto inteiro ao céu” coloca-se, junto com São Vicente, junto a nós, constantemente “pregando um amor candente”? E por que não construir na cidade um hotel municipal, empreendimento que, como o balneário, iria desenvolver o turismo aqui, reafirmando a nossa vocação telúrica para a hospitalidade? Sabemos que essas sugestões, Sra. Prefeita, desde há muito se encontram no consciente ou no inconsciente de lavrenses...
Esta Academia não é uma entidade político-partidária, mas nos atribuímos o exercício de uma política construtiva de vigilância, a favor da preservação e do fomento da cultura, dos princípios humanísticos e democráticos de nossa Terra, que aqui e alhures é tão decantada pela voz dos seus poetas, imaginada e reinventada pela verve dos seus ficcionistas, documentada pela acurada pesquisa dos seus historiadores, abençoada e catequizada pela missão evangelizadora dos seus religiosos, celebrizada pelo trabalho competente dos seus homens de ciência. Por isso é que “De nossa Lavras o crivo / levamos a toda parte”, e “espalhamos uns resplendores / no litoral e pelos sertões.”
Senhoras e senhores, falo em nome dos integrantes da Academia Lavrense de Letras. A nossa sensibilidade de filhos amorosos de Lavras, território que sintetiza para nós o Ceará e o Brasil, pressente, neste momento histórico de nossa vida, que a terra, a água, o fogo e o ar desta Natureza agreste mas por outro lado dadivosa, e que está em nós, querem falar-nos mas não acham palavras. No entanto lemos, na inefabilidade revelada pelo silêncio dos elementos naturais e de todas as coisas de nossa Terra, que ela nos acolhe, nos ama, nos perdoa e nos glorifica como mãe extremosa, que de nós só merece defesa, saudade, amor e veneração agora e para todo o sempre.
Agradeço intensamente a gentileza de meus pares de conceder-me a palavra nesta solenidade, quando outros mais aquinhoados de eloqüência, mais sabedores da História de nossa Terra e mais próximos dos fatos da modernidade lavrense melhor se desincumbiriam da presente tarefa. Atribuo a concessão, como outras dos meus consócios a mim, a uma gentil deferência à idade, que poucos como eu atingiram em nossa Academia, e ao amor que indiscutivelmente cantei mais que outros a Lavras.
[......] ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai
Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai!
Esses versos neossimbolistas, catárticos e algo obscuros de Fernando Pessoa, ouvidos agora, quando nos deparamos com a simplicidade, o bucolismo, a leveza do ambiente sertanejo de nossa Lavras, vindos que somos de um meio pesado de especulações e recursos civilizacionais, soam, de algum modo, adequados para traduzir, em sua opacidade, os nossos sentimentos, diante de certa inefabilidade destes, entre os quais está o complexo enlevo de nossa alma que, reencontrada com o chão nativo de nossa saudade, tende a levitar e, entre apóstrofes afetivas, transcender, para, depois de beijar o nosso torrão e abraçar o nosso povo, tentar livrar-se, por um instante, da ciência que nos encanta mas nos inquieta, e reviver a insciência do éden de nossa infância, quando éramos felizes e não sabíamos que o éramos.
Escreveu o poeta português, antes dos citados versos, dirigindo-se à ceifeira: “Ah, poder ser tu sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência, / E a consciência disso!” Impossível, embora legítima, a realização desses desejos do eu lírico, por implicarem uma complexidade paradoxal, se bem que expressiva. Por isso é que ele apela para a remediadora solução do onírico poético, que se encontra no bucólico primeiro trecho citado. E, assim, Pessoa abre caminho para o milagre criativo da conciliação do saber com o não-saber, da ciência da capital, onde residimos, com a relativa inocência deste ambiente da antiga infância, a fim de conseguir-se a realização humana, a felicidade, a plenitude do Ser, as quais o espírito de nossa Academia perenemente buscará, pois queremos unir o litoral ao sertão, a metrópole ao interior, o desenvolvimento da grande urbe à simplicidade do campo e da pequena cidade, não obstante desejarmos esta sempre mais desenvolvida.
Tudo se deve à inquietação fecunda e à coragem empreendedora do poeta conterrâneo Dimas Macedo, que concebeu a idéia da Academia Lavrense de Letras, conseguiu convencer um pugilo de intelectuais da necessidade da criação desta entidade, fez a idéia transmitir-se aos demais integrantes do sodalício, e eis-nos aqui, inaugurando-o em nossa Terra, sob as bênçãos de Deus, do Padroeiro São Vicente Ferrer e sob os auspícios da Exma. Sra. Prefeita Edenilda Lopes de Oliveira Souza, da Câmara dos Vereadores do Município, e contando com o apoio de políticos influentes e conterrâneos como Eunício Oliveira e Heitor Férrer. Era preciso que uma personalidade como a do poeta, crítico literário e historiador Dimas Macedo, homem cheio de amor a esta Terra, movesse, com a sua sensibilidade, o seu idealismo e a sua ação dinâmica, os seus pares, para que esta Academia se tornasse realidade, confirmando-se, desse modo, a herança recebida da veia poética de seu pai, José Lobo de Macedo (Zito Lobo), da têmpera e do talento de seu avô, Antônio Lobo de Macedo (Lobo Manso) e da competência e erudição do seu tio Joaquim Lobo de Macedo (Joaryvar Macedo).
Lembremos que não só a poesia de Dimas Macedo revela o seu amoroso culto a esta gleba, mas também o livro Lavras da Mangabeira: roteiros e evocações, um verdadeiro cancioneiro de nossa cidade, acrescido de pensamentos de autores insignes sobre ela, e ainda o volume Lavrenses Ilustres, repositório histórico-biográfico, que justifica sobejamente a criação de uma Academia de Letras como esta, com patronos e membros ilustres, que fazem desta Terra uma Atenas cearense. Faça-se justiça aos ilustres nomes dos assessores diretos do Presidente, João Gonçalves de Lemos, Gilson Batista Maciel, Mário Bezerra Fernandes e Jeová Batista de Moura, integrantes da Diretoria da entidade, que contribuíram decisivamente para que ela se criasse.
Os participantes deste sodalício queremos conciliar o erudito com o popular, a teoria acadêmica com o “saber de experiência feito”, abrigando em nosso quadro de sócios tanto o graduado como o pós-graduado universitários, tanto o artista das diversas belas artes como o autodidata e o formado na escola empírica da vida. “E o pensar que a Terra formou”, conforme canto no nosso hino valorizado com a bela música do compositor Nonato Luiz, foi aventurar-se pelos meandros da civilização e ilustrar-se nos campos de Minerva (ou Palas-Atena). Esse pensar é o de todos nós, que abrigamos na pele e no sangue a luz e o calor de Apolo, colhidos nesta Terra tropical, calcinada e sofrida, mas lutadora e tenaz, para que brilhássemos longe dos nossos pagos, dos campos de cujos produtos Ceres e Diana nos alimentaram. Mas também nos banhamos com a água abençoada e fecunda do Rio Salgado, que mais parece haver nascido de uma patada do Pégaso, atualizando entre nós o feito praticado no monte Hélicon, da Beócia, para dar-nos a força do estro que nos torna criadores na Ciência, nas Letras e na Arte. Aliás, podemos também encarar o nosso rio segundo a ótica do poeta Francisco Carvalho, que escreveu:
Lavras é um mito que o Salgado banha
com seu rumor de pífaro e realejo.
[...]
Rio que embala um pégaso na entranha
fecundada de esperma benfazejo.
A chama olímpica e apolínea que daqui levamos a meios adiantados, progressistas, para que mais luzisse em nós e iluminasse outros ambientes, aqui trazemos hoje para, transfigurada, ser alçada bem alto na pira do nosso devotamento à Terra do nosso berço. De fato ofertamos a esta o grande clarão em que se transformou aquela chama, formada em nós com o sol e a energia de Lavras, cada vez mais em nós potencializados. Por isso é que rogamos:
Ó sol de Lavras, já desde a infância
por ti queimados, nos fertilizes,
para que a força de nossa ânsia
de criar nos faça sempre felizes.
Alguns se lembram, como eu, de que os rapazes do tiro de guerra daqui e de antanho, comandados pelo Sargento Valdemar, cantavam e assoviavam, pelas ruas da cidade, no alvorecer do dia, saudando o sol nascente com estes versos: “Viva o Sol do céu de nossa Terra! / Vem surgindo por trás da linda serra!” Essa evocação mistura-se a uma outra, a das alvoradas das festas do Padroeiro, e uma e outra lembrança, surgidas de ocorrências que embalaram musicalmente o despertar do nosso sono de meninos, unem, de modo sinestésico, sons e imagens, para, neste momento em que cantamos o sol que nos encanta, se transformarem em vislumbres ensolarados de uma nova era para a Cultura e a vida desta cidade.
Se ao Rio Salgado podemos confidenciar as nossas mágoas pela paradoxal doçura de suas águas salobras, quase da mesma natureza das lágrimas, ao sol de Lavras podemos contar as nossas vitórias, por ele ser, quase constantemente, pelo seu brilho, uma apoteose.
Um comportamento solidário e ontológico é o que adotamos, inspirados na concepção cristã Ut omnes unum sint (“Para que todos sejam um”) e na categoria existencial-ontológica de Heidegger: o Mitsein (“Ser-com-alguém”; por extensão, “Ser-com-os-outros”). Por isso é que se afirma em nosso hino: “Ser um com os outros é o nosso lema.” E entrevemos a transmissão de valores dos maiores aos mais novos na tridimensionalidade do tempo, rio que se confunde com o Salgado, fluindo em nós, lavrenses, do ontem para o hoje e do hoje para o amanhã:
Se em nosso peito corre o Salgado,
é bela a herança dos que virão.
E sob as bênçãos do antepassado
há de surgir perfeita a criação.
Cada um de nós, acadêmicos, cultua o patrono de sua Cadeira, mas também, na vibração do sangue que corre em nossas veias, reverencia o ícone, o oráculo de sua família, aquele que, pelo exemplo do caráter ilibado, se apresenta como paradigma de conduta de seus descendentes. No meu caso, evoco a figura do filólogo, orador e poeta Joel de Lima Linhares, patrono de minha Cadeira, como valor intelectual; e a personalidade ímpar de meu pai, o farmacêutico Dr. José Gonçalves Linhares, antigo prefeito desta cidade, político, humanista, mas sobretudo homem de ciência, que soube distribuir aos concidadãos uma assistência responsável no exercício criterioso da profissão, e impôs-se no seio da família como um chefe honrado e cheio de virtude, por isso mantendo em meu peito uma herma de luz, que a cidade não lhe erigiu de bronze, como o merecia.
Escreveu José Saramago no seu Memorial do Convento: “Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas.” Exma. Sra. Prefeita, para que o tempo das perguntas não demore mais, a V. Exa. que conseguiu reeleger-se devido à destacada administração do seu mandato anterior, ouso inquirir: por que não se construir um balneário junto ao Boqueirão que representa todo o anseio da terra: o dar, o florescer, como concebi num poema e, “aberto inteiro ao céu” coloca-se, junto com São Vicente, junto a nós, constantemente “pregando um amor candente”? E por que não construir na cidade um hotel municipal, empreendimento que, como o balneário, iria desenvolver o turismo aqui, reafirmando a nossa vocação telúrica para a hospitalidade? Sabemos que essas sugestões, Sra. Prefeita, desde há muito se encontram no consciente ou no inconsciente de lavrenses...
Esta Academia não é uma entidade político-partidária, mas nos atribuímos o exercício de uma política construtiva de vigilância, a favor da preservação e do fomento da cultura, dos princípios humanísticos e democráticos de nossa Terra, que aqui e alhures é tão decantada pela voz dos seus poetas, imaginada e reinventada pela verve dos seus ficcionistas, documentada pela acurada pesquisa dos seus historiadores, abençoada e catequizada pela missão evangelizadora dos seus religiosos, celebrizada pelo trabalho competente dos seus homens de ciência. Por isso é que “De nossa Lavras o crivo / levamos a toda parte”, e “espalhamos uns resplendores / no litoral e pelos sertões.”
Senhoras e senhores, falo em nome dos integrantes da Academia Lavrense de Letras. A nossa sensibilidade de filhos amorosos de Lavras, território que sintetiza para nós o Ceará e o Brasil, pressente, neste momento histórico de nossa vida, que a terra, a água, o fogo e o ar desta Natureza agreste mas por outro lado dadivosa, e que está em nós, querem falar-nos mas não acham palavras. No entanto lemos, na inefabilidade revelada pelo silêncio dos elementos naturais e de todas as coisas de nossa Terra, que ela nos acolhe, nos ama, nos perdoa e nos glorifica como mãe extremosa, que de nós só merece defesa, saudade, amor e veneração agora e para todo o sempre.
domingo, 1 de fevereiro de 2009
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